segunda-feira, 2 de agosto de 2010

SEM MEDO DE SER GAY......

A regra geral é se esconder e reforçar o preconceito. Mas a jornalista Milly Lacombe, 33 anos, decidiu abrir o jogo e contar sua história

...Tudo o que sabia é que era diferente. Diferente porque não gostava de brincar de boneca como minhas irmãs, porque não gostava de usar saias como as outras meninas da classe, porque o ponto alto do dia era o futebol com os meninos no recreio. A mensagem de que eu estava me comportando da maneira errada chegou em alto e bom tom no pré-primário, quando uma nem tão delicada professora veio me tirar do futebol para dizer muito sisudamente que fora decidido (e eu na época imaginei o Concílio de Trento: centenas de professores reunidos com meus pais ao redor de uma mesa gigantesca decidindo o futuro de meus recreios e, pensavam, de minha sexualidade) que a partir daquele dia eu deveria brincar de boneca com as meninas e não mais jogar futebol como um moleque.

E dessa forma fui apresentada a uma sala escura onde garotinhas eufóricas celebravam o aniversário de uma boneca inexpressivamente pálida sobre bolos de isopor e copos vazios. Aquele era sem dúvida o ponto alto do dia delas, mas também foi o mais baixo e humilhante de minha curta existência. Sentada em um canto da sala, inanimada como uma boneca para a qual ninguém olhava, senti, pela primeira vez na vida, a dor que só os discriminados conhecem. E assim, em uma quarta feira qualquer de 1973, eu aprendi que era errado ser diferente.

Porque os sinais estavam por todos os lados, minha mãe foi rápida e aos dez anos eu frequentava o consultório de uma psicóloga, onde passava manhãs a fio montando quebra-cabeças, quando, hoje percebo, a cabeça que precisava de colagem era a dos adultos que confabularam para me levar àquele consultório.

Tentei dar a eles problemas palpáveis e todos os dias saía de lá com alguma coisa que não me pertencia: uma caneta, um quebra-cabeça, um boneco. Mas meu induzido instinto cleptomaníaco ficou à sombra de minha iminente homossexualidade. E alguns prefeririam que esse meu lado tivesse sido desenvolvido, e não o outro.

Como fazem tantos adolescentes homossexuais, tentei ignorar meus anseios achando que se fingisse não escutar as vozes que teimavam em falar comigo à noite eles iriam embora. Mas aos 16 anos encontrei um outro extra-terrestre em minha própria escola, vindo do mesmo planeta, com os mesmos anseios, as mesma dúvidas, os mesmos medos. E depois eu iria saber que havia outros, muitos outros, escondidos por aí. Resolvi que era hora de ceder ao meu instinto mais natural. E foi assim que, aos 16 anos, conheci o amor, aprendi que não era doente, que o mundo era colorido, que tudo valia a pena.

Foram seis meses de pura euforia e, se não vivêssemos em um planeta moralmente regido por regras impostas pelos serventes de Deus, porque ele mesmo não faria do amor algo intolerável - minha adolescência teria sido um conto de fadas e não o Inferno de Dante.

Não demorou muito para que minha mãe, que poderia ter sido investigadora do FBI se quisesse, perceber o que estava acontecendo e, mais uma vez, fui tratada como doente e rapidamente isolada em quarentena. Devidamente exorcisada, comecei a viver um relacionamento heterossexual,... curada... aos olhos de minha mãe, que era só o que me importava, porque além de agente do FBI ela poderia ter sido integrante da Gestapo.

Foram seis anos ao lado de um homem que rapidamente se tornou meu melhor amigo e seis anos de negação voluntária. Fazíamos tudo juntos: jogávamos futebol, íamos ao estádio, comíamos fora, íamos ao cinema, fazíamos triatlo. Na cama, as coisas também andavam numa boa, ainda que ele deva ter sido um homem frustrado, quantitativamente falando, embora esse tipo de frustração masculina não seja privilégio exclusivo de um relacionamento hetero/homossexual. E a história de minha vida poderia ter sido essa, casada com um homem que me amava, que eu adorava, com dois ou mais filhos, e em negação até o último dia de minha vida.

Mas aos 27 anos eu, mais uma vez, escutei as vozes, agora mais altas e convincentes. O casamento, que parecia estar logo ali, não aconteceu, para frustração total e absoluta de minha mãe. Todo o meu conflito interno agigantou-se com o aumento das vozes que teimavam em mandar que eu escutasse meu coração. E meu pavor passou a ser saber que eu não seria aceita por aqueles que amo. Que, mais uma vez, seria colocada em uma sala escura onde outras crianças brincariam de me ignorar. Mas o que eu não percebia é que não poderia ser aceita enquanto não me aceitasse - associação que a sábia psicóloga poderia ter feito em 1973, com quebra-cabeças, desenhos ou palavras, como fosse melhor, e me poupado baldes de sofrimento.

Muitos dramas internos e algumas cicatrizes depois, feliz e em um relacionamento que já dura sete anos, aprendi a me aceitar e descobri que quem me ama quer apenas me ver feliz. Aprendi também que intolerância, preconceito e discriminação são efeitos colaterais de parte de uma sociedade que não se atura, de pessoas que temem tudo aquilo que não entendem, que só acreditam no que vêem e que só sabem se relacionar com outros seres humanos exatamente iguais a elas. Pessoas que acham que qualquer diferença, seja na cor da pele, na religião, na sexualidade ou na classe social, deve ser combatida.

Tolos, porque a beleza está na diferença. Tolos, porque quando o amor é classificado como predatório ele pode rapidamente virar revolta. Tolos, porque os verdadeiros problemas do mundo começam com a intolerância e há adolescentes que acham que o sofrimento é tão intenso que não vale continuar a viver. Tolos, porque na maioria das vezes eles não percebem que são apenas excluídos excluindo. Hoje, mesmo exposta ao cruel julgamento do homem que não consegue deixar de achar que o juízo final é aqui e agora, estou livre. Porque as paredes protegem, mas também limitam...

Fonte: Obsidiana - Pesquisa DRa. Elaine Marini

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